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Prêmio  A.P.C.A 2013 - Associação Paulista de Críticos de Arte.

“A primeira vez a gente nunca esquece”

29 JUN 2016
29 de Junho de 2016

Quando Washington Olivetto criou esta frase para aquele famoso comercial do sutiã, não poderia supor que sua ideia ficaria incorporada ao imaginário popular para citações de todo o tipo. É o caso da primeira vez que visitamos Conservatória, principalmente para aqueles que vêm de grandes metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo etc… Ocorre aí um verdadeiro choque músico cultural romântico. Assim foi comigo. Cheguei aqui na noite de 27 de julho de 1991. A estrada desde Barra do Piraí era de terra batida, tornando este trecho de 24 Km um verdadeiro rali. Após desfazer as malas, fui com minha mulher, meus filhos e um casal de amigos comer uma pizza, quando após alguns minutos passamos a ouvir uma canção linda entoada por várias vozes e que davam a impressão de estar se aproximando. Perguntei então ao casal que me trouxera: “Vocês estão ouvindo?” A resposta me soou como se fosse uma coisa corriqueira: “São os seresteiros que nos finais de semana saem cantando pelas ruas…”

Nesta época, a nossa Cidade da Seresta ainda não tinha a fama e a divulgação de hoje, havia poucas pousadas, pouquíssimos restaurantes e apenas algumas lojinhas vendendo souvenires. Devo confessar que àquela altura da vida ainda não sabia nada a respeito deste “pedacinho do céu”, como Conservatória é chamada carinhosamente pelos seus moradores.

Imediatamente tomado de espanto, e encantado com aquela melodia, fui quase correndo procurar os seresteiros. Ao dobrar a esquina, me deparei então com cerca de três dezenas de pessoas, tendo à frente talvez cinco ou seis violões e seguiam lentamente como em procissão, ouviam-se apenas a música e os passos na rua de calçamento pé de moleque. Emocionado, eu me perguntava como poderia haver ainda um lugar onde se declamavam poesias, cantavam canções de amor na madrugada em ruas desertas sem qualquer receio de ser assaltado, ou importunado por pedintes, flanelinhas e coisas do tipo.

Fiquei fascinado, quando ao se aproximar de uma residência, o morador piscava as luzes, num sinal de que desejava que o cortejo parasse e cantasse a canção da plaquinha afixada na fachada.

Chegamos então à praça da Matriz e todos se dirigiram até uma casa, onde havia uma placa coberta por um pano. As surpresas não paravam de acontecer: entre nós estava anônimo até aquele momento o compositor Carlos Cola, e iria ser inaugurada mais uma plaquinha registrada no museu da seresta e da serenata. A música “Passa tempo” de sua autoria (gravada primeiramente por Roberto Carlos) foi cantada por todos e após a inauguração deste registro, bolo e chocolate foram servidos pelo morador aos presentes.

Tomado pela emoção, o artista sentou-se no parapeito da janela e passou a cantar seus grandes sucessos, comentando a forma como cada um deles foi criado, qual foi a inspiração. Enfim um show fantástico onde o contato e a interação marcaram a todos. Já pensaram em quanto teríamos de pagar por um momento deste?

No dia seguinte ainda extasiado, observava atento a tudo que Conservatória me oferecia. O Túnel que Chora, a velha locomotiva 206 repousando altaneira, a fonte (infelizmente, hoje extinta) que dizia a lenda: Quem bebesse de sua água ali voltaria. As canções que marcaram minha infância e juventude sendo cantadas nas calçadas.

Chegando ao Rio, passei vários dias pensando na experiência vivida, e assim que pude retornei, retornei, retornei….

 Passados aproximadamente vinte anos e totalmente integrado à cidade, reencontrei Carlos Cola no sarau em sua homenagem na Casa Encantada. Tive então a oportunidade de lhe contar que estava presente naquela noite e que seu talento, sua simplicidade e seu carisma foram decisivos na magia que aprendi a ver neste lugar.

 

Roberto Velasque

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